Havia dias em que eu desejava que acordar não fosse uma opção. Esse era um deles. Se ao menos eu tivesse conseguido dormir! Acendo a tela do celular apenas para ver o que eu já sabia: 4h19. Não sei por que eu esperava algo diferente, já que há apenas um minuto era 4h18. Eu estava repetindo essa sequência há pelo menos uma hora. Acendia a tela do celular, via a hora, pensava que eu realmente precisava dormir, pensava em unicórnios coloridos, repassava mentalmente o dia que eu teria pela frente, virava para a parede, pensava em unicórnios coloridos, tentava decidir se eu estaria com fome no café da manhã ou não, pensava mais uma vez em unicórnios coloridos e quando finalmente, com toda a certeza do mundo, havia se passado pelo menos quinze minutos, acendia novamente a tela do celular para conferir as horas e... tadã. Apenas um minuto havia se passado. Eu realmente precisava dormir.
Unicórnios coloridos. Eu deveria mesmo começar a anotar quantas vezes por dia pensava neles. Ou quantas vezes por noite, já que esse era o período em que eu mais precisava recorrer a imagem mental de lindos cavalos com chifres, correndo em um enorme pasto verde, ao longo de uma montanha intocada pelo homem. Cali, minha melhor amiga, já estava arrependida há milênios por ter me ensinado esse método de dissuasão.
- Sempre que perceber que você está pensando em Nate, em seu aniversário ou em suicídio force sua mente a voltar-se a coisas boas. Coisas bonitas, positivas, coisas que te animem incomumente, Blair - disse Cali.
- Como o que? Você sabe que nada tem me animado ultimamente. Nem frozen yogurt - Deus e Cali sabem como sou fissurada em frozen yogurt!
- Não sei. Tente pensar em... Christina Aguilera!
Fecho os olhos.
- Estou tentando pensar nela agora, mas a única coisa que não sai da minha cabeça é a noite em que eu assisti ao The Voice e em como eu pensava no que Nate acharia da performance do Matthew Schuller cantando Hallelujah.
- Não sei. Tente pensar em... Christina Aguilera!
Fecho os olhos.
- Estou tentando pensar nela agora, mas a única coisa que não sai da minha cabeça é a noite em que eu assisti ao The Voice e em como eu pensava no que Nate acharia da performance do Matthew Schuller cantando Hallelujah.
- Por Deus, Blair! Pare de tentar ligar tudo a esse cara! Isso é tortura chinesa. Esqueça a Aguilera então. Pense em... em... foda-se... unicórnios coloridos.
- Espere. Unicórnios coloridos? De que cor?
- Não sei! Múltiplas cores. Azuis. Magenta. Com glitter! Qualquer cor. Desde que você pare de pensar nele.
E pronto. Foi assim que eu parei de pensar em Nate Thomas e passei à ser obcecada com unicórnios coloridos.
Cali havia descoberto o método em um livrinho vermelho que encontrou na área de psicologia da biblioteca da escola. As estantes de psicologia na verdade eram sua mais nova obsessão depois de ter lido absolutamente todos os livros das estantes de ciência e saúde, educação e história americana. O objetivo de Cali era zerar a biblioteca do Hoover High School. Claro que parte do plano de Cali só poderia envolver levar sua melhor amiga desde a 5ª série (eu) à mais pura loucura. Cada novo tema que Cali descobria exigia séculos de dedicação e vício. O que significa que, durante semanas, Cali me diagnosticou com quase todas as doenças que a literatura médica conhece e me deixou completamente apavorada com a possibilidade de pegar Ebola em plena Fresno. Fresno, que fica bem no centro do San Joaquin Valley, na Califórnia, é a cidade em que moro desde... Sempre. Há exatos 16 anos, dezoito dias e... quinze horas, se você gosta de precisão.
E é exatamente quando estou começando, pela 4731281392ª vez apenas nesta noite (que já está virando dia) a me martirizar pelo que aconteceu no meu aniversário de dezesseis anos que me forço, novamente, a pensar em unicórnios coloridos. Roxos, verdes, laranjas, Nate. Não! Correndo pela colina. Não, não, não, não, não! Unicórnios vermelhos, azuis com lantejoulas brilhantes... e meu celular apita, a luz pisca três vezes e tenho uma mensagem não lida às 4h21 da manhã. Quem em sã consciência estaria acordado a esta hora? Não preciso pegar o celular para saber que é Cali. Sempre é.
"Pq vc n dorme de 1 vez?"
Como ela poderia saber que eu estou acordada?
"ZZZzzz estou dormindo. Durma vc." , digito.Não solto o celular, pois sei que a resposta não levará nem meio minuto a chegar. Mal concluo o pensamento e o celular já está apitando e piscando novamente.
"Vc pd enganar tia anna, vovó serena e até whisky, + ñ me tire de idiota. Pare de c martirizar. é sério"Ela sabe que eu estou me martirizando. Mas é claro que sabe. Cali consegue dizer o que estou pensando sem que eu precise emitir qualquer som. Por mais que eu tenha tentado disfarçar. Por mais que eu venha tentando agir normalmente. Cali me conhece. Cali sabe o quanto tenho sofrido. Claro que os círculos fundos e escuros sob meus olhos ajudam a me entregar, não importando quantos quilos de corretivo e base eu passe. Claro que o fato das folhas de meu fichário estarem todas cobertas com unicórnios desenhados em caneta azul ao invés das minhas costumeiras anotações sobre a matéria do dia denunciam que algo está acontecendo. Estou um caco. Estou destruída. Não precisa ser nenhum gênio para notar.
"Tentei dormir. Desde as 22h30, para falar a vdde. Mas isso n tá funcionando. Aliás, nem os unicórnios estão me deixando impune, C. N sei mais o q fazer. Pq é q VC n está dormindo???"Sei que amanhã Cali terá um longo dia, com a escola, reunião com a senhora Bale, nossa conselheira, e com a aula de espanhol para os Smiths. Como é filha de latinos e nascida no México, Cali fala espanhol melhor até mesmo que a minha professora do idioma, Sra. Esmeralda. E é exatamente por ser tão estupidamente boa que Cali dá aulas de espanhol para crianças para ganhar uns trocados. E é justamente por isso que ela deveria estar no décimo sono.
"Merda. Tive uma ideia durante o sono e precisei acordar para anotá-la. Obviamente assim q acordei, soube q vc n tinha dormido ainda. sério, tente um copo de leite quente. bjs, t s2. ZZzzz"Sinto-me tão infeliz que não tenho vontade de responder à Cali novamente. Olho as horas no celular e ainda são 4h28. Desde quando as horas começaram a se arrastar tanto? Desde...
Suspiro. Desisto de tentar impedir Nate de dominar meus pensamentos. Foi tudo o que fiz a noite inteira e veja só onde cheguei: passei a noite acordada, lutando com meu próprio cérebro. Estou mais cansada do que antes de deitar. Sinto como se tivesse corrido quatorze voltas ao redor do ginásio do colégio. Quem disse que pensar não cansa?
Penso em Nate. Por que ele tem de ser tão alto? Tão bonito? Tão inteligente? Tão cheiroso? Tão... não meu? As lágrimas invadem meus olhos quando penso em tudo o que poderia ter sido. Elas começam a descer pelo meu rosto quando lembro não apenas do cara incrível que eu perdi, mas também na grande amizade que estraguei. Estúpida. Como pude ser tão estúpida?
"Nem tudo o que é bonito é amor", disse vovó Serena no café da manhã do dia do meu aniversário, sobre qualquer assunto no qual eu não estava verdadeiramente prestando atenção. Eu não sabia bem por que justamente esta frase tinha ficado guardada na minha mente. Mas dava para dizer que eu vinha pensando bastante sobre ela nos últimos dias. Nem tudo o que é bonito é amor. Não era. :(
[...:::: Continua ::::...]
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